terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Animal aposentado

Domingo passado o São Paulo – time preferido da arbitragem nacional – conquistou o inédito tri-campeonato seguido e chegou a marca, também inédita, de seis campeonatos brasileiros. Conhecemos enfim após 38 rodadas do campeonato mais disputado da história dos pontos corridos, adotados em 2003, as equipes classificadas para Libertadores do próximo ano. O vice-campeão Grêmio, que disputou com o São Paulo o titulo até a última rodada, o Cruzeiro, terceiro colocado, e o Palmeiras, que mesmo perdendo para o Botafogo em pleno Parque Antártica, foi beneficiado pelo Flamengo que, manteve-se fiel a tradição de levar piaba do Atlético Paranaense na Arena da Baixada. Pudemos também conhecer as duas equipes restantes a fazerem companhia a Portuguesa e Ipatinga na serie B do não que vem. Figueirense e Vasco da Gama.

O fraquíssimo time cruzmaltino sucumbiu à suas próprias limitações e a herança maldita deixada por anos de ditadura “mirandista” no “Clube da Colina”. Mas, é justamente em São Januário onde aconteceu o fato mais importante dessa última rodada de brasileiro, pelo menos até agora, a aposentadoria de Edmundo. Daqui a alguns anos ninguém mais se lembrará das equipes classificadas para a Libertadores, salvo alguma delas levantar o caneco continental, as equipes rebaixadas, o único time de massa rebaixado – o próprio Vasco da Gama, mais dia, menos dia retornará a divisão principal – , e o titulo são-paulino será apenas uma lembrança. No entanto todos aqueles que gostam de futebol e reconhecem um gênio da bola quando o vêem, sentirão saudades de Edmundo, o “Animal”.

Lembro-me bem do jogo de estréia dele contra o Corinthians no Pacaembu. Era a primeira rodada do “Brasileirão” de 1992, e também o retorno do meia corintiano Neto após meses de suspensão por agressão a um árbitro no “Paulista” do ano anterior. Edmundo, então com 20 anos, foi escalado pelo técnico – Nelsinho Rosa, se não me falha a memória – em substituição a Bismark, que se encontrava com a seleção brasileira pré-olímpica no Paraguai. O Vasco sapecou um verdadeiro “baile” em cima dos donos da casa (4X1), com dois gols de Bebeto e um show a parte do garoto estreante. Bismark, ídolo da torcida, voltaria ao meio-campo da equipe, mas Edmundo não sairia mais. Jogando no lugar de Sorato, formou com Bebeto a melhor dupla de ataque daquele campeonato. Seriam jogos memoráveis como uma goleada em cima do Galo mineiro em pleno Mineirão, uma vitória após inúmeros anos em cima do Palmeiras no Parque Antarctica e muitos outro shows dados pelo “Animal”. O Vasco cairia eliminado pelo (meu) Flamengo do maestro Júnior na fase semifinal, mas Edmundo já havia mostrado toda a sua capacidade de decisão, genialidade, dribles rápidos, passes certeiros, e, sobretudo, objetividade.

No mesmo ano era a estrela do Vasco na conquista do Carioca de forma invicta e em 1993 desembarcaria no Palmeiras, da época em que a Parmalat dava dinheiro como leite, ops, água. Lá ajudaria a equipe alviverde a sair dum jejum de dezoito anos e mais uma vez era estrela duma equipe campeã, aliás, muita mais que campeã, bi paulista e brasileira.

Em 1995 depois de muitos transtornos com torcida e imprensa toma a pior atitude de sua carreira profissional ao fechar contrato com o Flamengo. O sonhado melhor ataque do mundo – Sávio, Romário e Edmundo – mostrou-se pesadelo para torcida rubro-negra, além da aversão por parte dessa com o Animal, graças a clara identificação dele com os arqui-rivais cruzmaltinos. Vai em seguida para o Corinthians onde problemas semelhantes voltam a atormentá-lo. Retorna a São Januário no segundo semestre de 1996, mas, só no ano seguinte retoma o futebol de antes, ou melhor, aprimora o que já sabia.

Em 1997, após um campeonato Carioca razoável, Eurico Miranda resolve montar uma equipe forte para o Brasileiro. Forma um elenco recheado de jogadores experientes como o goleiro Carlos Germano, o zagueiraço Mauro Galvão, o meia Ramon Menezes e o atacante Evair – antigo companheiro de Edmundo no Palmeiras – e o mescla a jovens talentos, o lateral Felipe e os meias Juninho Pernambucano e Pedrinho. Mesmo o assim Edmundo consegue não só ser artilheiro da competição com 29 gols – quebrando o recorde de então – e sagrar-se campeão brasileiro outra vez, como fica no imaginário dos admiradores do esporte bretão como se o tivesse feito sozinho.

Algumas partidas de Edmundo são memoráveis, a sua estréia, a goleada em cima do Galo em 1992, ambas na primeira passagem pelo Vasco, o jogo contra o Inter pelo Brasileirão de 1993, a estréia na Libertadores contra o Grêmio em 1995, ambas na primeira passagem pelo Palmeiras. A semifinal do Brasileirão de 1997 contra o Mengo no Maracanã, essa inesquecível para Júnior Baiano, já na segunda passagem de Edmundo pelo Vasco. Outros são folclóricos, como o dia em que defendendo o Figueirense enfiou três gols no time do coração, atrapalhando os planos do árbitro da partida que havia negociado-a em prol do Vasco.

Vítima de seu temperamento tempestuoso, constantes entreveros com companheiros de profissão e de declarações francas, somados a imagem de boêmio e homem rude, nunca conseguiu que empresários o tornassem um grande garoto-propaganda. Está aí o motivo para Edmundo dificilmente receber o merecido reconhecimento por sua genialidade dentro das quatro linhas.

Também foi injustiçado no mundial de 1994, mesmo com a ótima fase que vivia e o lobby de Romário, não participara da conquista do tetra. Parreira achava o Baixinho dor de cabeça o suficiente. Já em 1998 estava entre os convocados , mas Zagallo era o único a não encontrar um lugar para o Animal entre os onze titulares. Em 2002 a fase não era tão boa e, mesmo que fosse, Edmundo não tinha o perfil que Scollari queria para a sua família (argh!!!). Em 2006 Edmundo já era um andarilho do futebol, e enfim, a imprensa, que nunca morreu de paixões por ele, o havia condenado a um ostracismo prematuro.

O raquítico futebol brasileiro da atualidade não consegue segurar nem os raros jogadores um décimo acima da média que revela, agora ficará privado, pelo implacável tempo, de ver um de seus últimos gênios em ação. Edmundo forma com Romário e Zidane a trinca de maiores jogadores que vi atuar. Com a aposentadoria do Animal quem perde somos todos nós, admiradores desse esporte no Brasil, constrangidos a só vermos perna de pau em nossos gramados.

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Excelente texto, parabéns.

Sem dúvidas, o "Animal" também está entre os maiores que vi jogar, e em 97 ele esteve, no mínimo, entre os 3 maiores do mundo.

Lucas Rafael Chianello disse...

Hudson, o clube predileto da arbitragem brasileira é o Flamengo. Vide Marcelo de Lima Henrique e, dentre inúmeros casos nos quais o Flamengo foi favorecido, aquela escandalosa arbitragem do Wright contra o Galo nos anos 80. Só para constar, da mesma forma que o SPFC foi beneficiado pela arbitragem contra o Goiás e o Botafogo, foi prejudicado contra o Grêmio e a Portuguesa, ambos os jogos do returno. Mas como o tetracampeão brasileiro que se diz penta não pode mais falar que é o mais vitorioso em campeonatos brasileiros, o despeito entra em campo. Dor de cotovelo. Quanto ao Edmundo, parabéns, muito bem descrito. E mesmo que eu discorde em relação a SP-arbitragem, o artigo está muito bem escrito. Parabéns.