Há dias em minha vida que pareço acordar mais indignado, ou revoltado, daquilo que já o sou normalmente. Então me apego a questionamentos nada inúteis, porém não tão ressonantes nos dias atuais, que por sua vez me levam a outras indagações.
Hoje duas coisas em especial me atormentaram boa parte do dia e da noite.
Gostar-me-ia de dialogar com Max Weber e, mostrarmos um ao outro que não existe sociedade “ideal” dentro do capitalismo “ideal”, ainda que o diálogo fosse bem mais proveitoso para minha pessoa, naturalmente. Afinal onde está a tão falada ética e moral capitalista quando os detentores do capital, e conseqüentemente do poder econômico, na pressa de livrarem seu sagrado lucro cortam despesas, ou seja, realizam demissões em massa? Qual a real justificativa para tanto, senão a ignóbil sordidez embutida no desejo, nada oculto, de manter a relação vantajosa para o capital ante o trabalho. A burguesia não pretende minimizar, ou diminuir, a sua proveitosa percentagem de lucros e dividendos. Não importa nessa hora o sem número de trabalhadores desempregados. Nada que não lhes atinja diretamente pode importar. O prato de comida vazio do trabalhador desempregado, lançado ao exército de reserva, serve apenas para justificar a “perda momentânea” do empresário, pois esse em algum tempo retomará seu espírito empreendedor. Enquanto isso a “crise” cumpri seu papel, fazer com que os trabalhadores sofram suas conseqüências através do achatamento de salários e a precarização das condições de trabalho. Portanto a “crise” funciona como “normalizadora”, restabelecendo uma correlação entre capital e trabalho vantajosa ao primeiro.
Nessa quinta feira foi anunciada a enésima medida tomada pelos governos estadunidense e europeus, objetivando conter a crise que se alastra e toma magnitude antes inimaginável. Nos EEUU as três grandes montadoras de veículos – General Motors, Ford e Chrysler – aceitaram, de bom grado, a supervisão estatal como contrapartida por um empréstimo na casa dos bilhões de dólares. O mesmo Estado defenestrado nos anos do neoliberalismo galopante, agora toma ares messiânicos, torna-se o redentor prestes a salvar empresas, bancos, enfim todo o sistema da bancarrota. Na verdade o que os idolatras do deus Mercado esperam é que, impingidos pela lepra do prejuízo (?), sejam limpos pelo Estado. Não escondem a desfaçatez e o cinismo, não gostam do Estado, enxergam nele o ranço do atraso e as amarras para uma política econômica pura, para o liberalismo extremado, todavia são obrigados a conviver com ele, pois nas horas de agrura, será sempre ele há salvar e prover-lhes.
O pior dessa crise é a lamentável constatação que sua gênese está no sistema hipotecário estadunidense, onde banqueiros emprestaram dinheiro a rodo a quem não tinha condições de honrar dívidas, especularam com o mercado imobiliário de forma escandalosa e irresponsável. No final das contas safam-se e a perdas são cobertas pelo Estado. No entanto o sistema de crédito entra em colapso levando a reboque, até agora, parte do sistema produtivo. Em suma, a especulação deu o nó no setor produtivo.
Alguns números mostram que as instituições financeiras já receberam por cada dólar que tinham em depósito antes do deflagrar da crise o equivalente a “sessenta” dólares. Essa quantia, gasta por governos nacionais a fim de sanar tais instituições, já ultrapassou, segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization), três vezes o valor necessário para erradicar a fome no planeta. Não obstante fica patente a correlação de força entre famélicos e esquálidos perante o poder financeiro, pois os primeiros são desprovidos de recursos destinados a financiar campanhas eleitorais e lobbies.
O segundo tema a atormentar-me nesse dia de céu claro e pensamento turvo é quanto aos flagelados em Santa Catarina. Quando da passagem do furacão Katrina, o editor da revista Caros Amigos, José Arbex Júnior, um dos melhores jornalistas e analistas políticos do Brasil, denunciou o governo do cowboy Bush por exacerbação do neoliberalismo, pois ali, aquele nefasto governo negligenciou e omitiu amparo a população flagelada por simplesmente ignorar a prerrogativa do Estado em requisitar hotéis e clínicas particulares para abrigar e atender os atingidos pela catástrofe “natural”. Agora vejo os mesmos tipos de catástrofe assolarem o sul do Brasil. A natural e a letargia governamental.
Flagelados amontoados aos milhares de maneira precária em escolas e ginásios públicos e com atendimento médico insuficiente. Qual a justificativa palatável para tal calamidade, numa região conhecida nacionalmente por seu forte complexo turístico-hoteleiro. E quanto às clínicas particulares exclusivas para quem pode pagar por saúde – um direito básico garantido em nossa Constituição. No mais o governo poderia ainda requisitar ônibus, caminhões, barcos, aviões, helicópteros, enfim, todo o tipo de veiculo e transporte que achar necessário para a retirada e socorro das famílias dos locais de mais difícil acesso. Tudo isso respaldado por nossa Carta Magna,e, sobretudo, pelo interesse coletivo. Interesse pelo qual foi eleito e tem como dever garantir.
No mais, sabe-se que a especulação (insanidade) imobiliária afugentou – quase sempre com a anuência do Poder Público – parte da população para encostas ou margens de rios. Isso somado aos desmatamentos, cortes, aterros, disposição viária e a sanha por acumulação de riqueza desmatando áreas verdes que serviam como proteção natural contra deslizamentos, confluiu para uma tragédia evitável. Sem contar que há 25 anos tragédia similar recaiu sobre a mesma região, qual foi então a política preventiva adotada pelo Poder Público? Vemos agora apenas medidas paliativas e a solidariedade do povo brasileiro.Desafortunadamente, nada além.
Claro, esperar da mídia nativa questionamentos dessa envergadura pondo em xeque o direito à propriedade privada, causando-lhe dores no fígado, é pedir demais. Mas, o espantoso é não ver nenhum movimento social levantar tais questões, e não digo nem como reivindicação, mas como pressão e argumentação em defesa dos desabrigados, no intuito de defender o interesse de toda a população e da na não repetição dos fatos recém ocorridos.
Gostaria de deitar-me essa noite sabendo o que pensam nessas circunstâncias o governador Luiz Henrique da Silveira, a bancada catarinense na Assembléia Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, além, obviamente, do Presidente Luiz Inácio lula da Silva.
Com certeza ouviria, desses ilustres representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, uma resposta vaga fundamentada em algum engodo ou sofisma. Nada que me chocasse, por já esperá-la de antemão. Entretanto, também nada que aliviasse de fato o sentimento de impotência presente naqueles duplamente flagelados, pela natureza e pelo sistema.
2 comentários:
Fernando escreveu em 6/12/2008
Prezado Hudson
Nem fique indignado e muito menos revoltado. Muito pouco podemos fazer para mudar o mundo. Querer mudar, nós minhocas, é dar murro em ponta de faca, apenas sairemos feridos pela nossa impotência.
Sorria, escute música, vá ao cinema, leia um livro de aventuras, sonhe, namore, passeie. Deixe que os problemas existenciais e materiais se resolvam por si mesmos. Conte piadas de políticos e loiras. Não há nada nesta vida mais gostoso que rir da adversidade.
Um abraço.
Fernando
COMPARTILHANDO SENTIMENTOS
Há muito não tinha a oportunidade de ler um comentário como o desse de 5 do corrente. Trata-se, sob o meu ponto de vista, de um autêntico libelo exacerbado – e com justíssima razão – da parte do titular do “Dissolvendo-no-ar”, meu amigo Hudson. Junto aos seus sentimentos de revolta os meus, tão comuns nesse negro período de crise mundial que as mentes inteligentes e superiores desse nosso Brasil teimam por blindar rigorosamente afirmando a superioridade desta Nação quando uma transição dolorosa se espalha pelo mundo qual vírus mortal.
Max Weber, desaparecido em 1920, de rosto aparentemente sereno, longo, bem talhado e emoldurado por barba bem penteada, olhos firmes de quem sabe de liderança política, burocracia e capitalismo Na certa ele perderia a expressão facial sólida ao se sentar para trocar idéias com os nossos economistas e não gostaria apreciar, mesmo numa poltrona confortável, a mazela que nos trouxe o capitalismo defendido por ele, que emprestava “carisma” a um Carlos Magno e a um Napoleão, ambos capazes como foram em mudar políticas pela excepcionalidade de suas lideranças. O mundo, então, era outro. Não havia a revolução industrial ainda, e os homens começavam uma nova escalada em todos os sentidos, após a Revolução Francesa; esta, sim, catalisadora a mudanças globais. Mas vamos aos nossos governantes, que a cada dia nos levam quase à loucura. São as grandes tragédias de um povo que descortinam a quem se acha focado em seus problemas as verdadeiras personalidades dos homens que se sentam no comando de uma Nação. Nesses desastres naturais, eles sobrevoam de helicóptero as regiões tocadas pelas perdas e pelas dores, e se vão para os seus redutos falar em política, em sucessão presidencial, em PAC, através de seu porta-voz, também interessado no Poder. Falo, sim, do atual presidente da nossa pobre República. O que se vê, é dantesco! Exigem-se medidas mais atuantes e mais céleres, mais pulso forte e menos verborréia, poucas caras fechadas e nada de discursos tonitruantes, que impressionam os leigos e os inocentes gratuitos. Quem ler o comentário “A “CRISE” E AS TRAGÉDIAS” do sociólogo Hudson Luiz Vilas Boas, ficará a par do que acontece nos bastidores governamentais, daqui e de fora, por certo se revoltará e se angustiará por todos os flagelados catarinenses. É realmente desgastante. E ficam para lá nossos irmãos catarinenses à mercê da solidariedade de todos os cidadãos de outros estados, e daqueles conterrâneos que escaparam à hecatombe. Mas não importa; a solidariedade fraterna, de fortes laços, dispensa, por ora, a fingida dor das autoridades, com leves exceções. O mundo ainda há de chorar por ter abraçado o capitalismo com seu egotismo cínico e frio.
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