sábado, 28 de março de 2009

Filhos e filhas

No final do ano passado veio à baila a notícia dando conta que o nome de Siméa Antum, ex-amante de Luis Eduardo Magalhães, constava na folha de pagamentos do Congresso Nacional como assessora parlamentar. Na verdade, a notícia não seria algo relevante, não mereceria mais que meia dúzia de linhas nas colunas de fofoca, não fosse o fato de essa mulher, ao menos desde a morte de Luis Eduardo, nunca mais ter aparecido no Congresso, ter se transformado em funcionária fantasma. Após a morte do ex-presidente da Câmara, em abril de 1998, teria passado para a conta dos assessores de ACM. Com a morte do patriarca, ACM Júnior herdou do pai a cadeira e a situação de Siméa. Mais interessante ainda é que Siméa tem um filho de 14 anos fruto do relacionamento com LEM e, no entanto, apenas em setembro último, mais de 12 anos da morte do amante, passou a reclamar os direitos de seu filho as heranças de LEM e ACM – só a fortuna do antigo dono da Bahia é estimada em cerca de 345 milhões. Não é necessária muita sagacidade e argúcia para deduzir o porquê dela nunca ter requerido oficialmente a pensão do filho e demais direitos. Somos nós, o povo brasileiro, que, extra-oficialmente, pagamos por anos a fio essa pensão.

Já ontem, a Folhona trouxe na coluna da jornalista Mônica Bergamo uma entrevista com Luciana Cardoso, filha de FFHH e assessora do senador Heráclito Fortes. Em princípio não vejo nada de antiético no fato duma filha qualquer dum ex-presidente qualquer da república trabalhar num órgão público qualquer, seja concursada, contratada, ou mesmo ocupando cargo de confiança. Assim como acho nonsense a discussão sobre nepotismo no Brasil. Da forma radical como é posto aqui se trata mais de sentença punitiva aos parentes de alguém que se dispõe a participar da vida político-partidária eleitoral do que qualquer outra coisa.

Porém, e sempre existe o porém, isso não me impede de fazer algumas observações. Como a curiosa ligação no fato da filha de FFHH trabalhar para o senador Heráclito Fortes que, como muita gente sabe, é um dos líderes no Congresso Nacional da bancada de Daniel Dantas. Inclusive o nobre senador piauiense anda pra baixo e pra cima num dos jatinhos de DD. O mesmo DD que FFHH recentemente chamou de “brilhante”.

A filha de FFHH trabalha para um cacique do DEMO, todavia, o pai é a principal figura do PSDB, tanto por seu poder intelectual, quanto por ter ocupado a presidência da República por oito anos. Por que afinal de contas a moça não trabalha para Arthur Virgílio – pra quem o nome da capital brasileira deveria passar a ser “Fernandópolis” – ou Tasso Jereissati, ou Flexa Ribeiro, ou Neudo do Couto, todos do PSDB. Alguém poderá até aludir sobre o fato do DEMO ter uma aliança – que parece sólida – com os tucanos, entretanto, e justamente, na recente disputa pela presidência do Senado houve um conflito de interesses onde ambos estiveram em lados opostos. O PSDB apoiou o candidato petista Tião Viana, enquanto os herdeiros do PFL preferiram – como sempre – o atraso, naquele momento atendendo pelo nome nada auspicioso de José Sarney. Aliás, Heráclito Fortes se saiu bem com a recondução do “Senhor do Maranhão e do Amapá”, visto que no momento ocupa o cargo de 1º Secretário. Ou então não seria mais fácil colocá-la dentro do PSDB com alguma função especifica. Ah, claro!!! No senado quem paga seus vencimentos somos nós, os contribuintes.

Outra questão, essa pra mim muito delicada, pra dizer o mínimo. Luciana Cardoso afirma que parte do seu trabalho é cuidar de coisas pessoais do senador e coisas de campanha. Sinceramente, não sei se há algo de ilegal em uma funcionaria pública tomar conta de assuntos pessoais de sua chefia imediata. No entanto, não podemos nos esquecer que enquanto funcionária pública ela é paga com recursos do Erário. Portanto, aí sim, existe algo extremamente antiético. Ademais, fica evidenciado o desvio de funções. Ou será correto o povo brasileiro pagar para que o senador Heráclito Fortes tenha uma secretária cuidando de suas coisas “pessoais” e de suas “campanhas”. Eu, na condição de contribuinte, caso consultado, me recusaria a pagar por tanto, seja para Fortes e para qualquer outro membro dos Poderes Legislativo, Executivo e/ou Judiciário.

Outra questão, ou melhor, duas. Luciana Cardoso disse que trabalha a maior parte do tempo em casa. É de indagar se esse tipo de expediente é usual no Senado ou se apenas a filha do ex-presidente usufrui tal beneficio. E ainda, é difícil engolir que Luciana não sabe se recebeu ou não horas extras em janeiro. Ficaria mais bonito pra moça dizer que recebeu e pronto. Caiu-lhe muito mal dizer que não sabe. Ou será que ela tem mais coisas a esconder do que apenas as horas extras de janeiro?

Quando a grande imprensa e a oposição farisaica, irmãs xifópagas, descobriram que um dos filhos de Lula estava progredindo no ramo de comunicações, se não me engano¬, não tiveram dúvidas e imediatamente fizeram elucubrações sobre uso da máquina pública e trafico de influências. E agora, que uma filha de FFHH é descoberta tendo uma “boquinha” no senado, o “pecado” passará batido? Não pedirão uma CPI que tanto adoram.

Ao menos a Folhona da Ditabranda nos revelou mais este pequeno escândalo. Mas é sempre bom ficar esperto, pois com a midiazona é assim, quando muito, uma no cravo e duas na ferradura.


LUCIANA CARDOSO

"O Senado é uma bagunça"

Folha de São Paulo, 27 de março de 2009.



Funcionária do Senado para cuidar "dos arquivos" do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), Luciana Cardoso, filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diz que prefere trabalhar em casa já que o Senado "é uma bagunça". A coluna telefonou por três dias para o gabinete, mas não a encontrou. Na última tentativa, anteontem, a ligação foi transferida para a casa de Luciana, que ocupa o cargo de secretária parlamentar. Abaixo, um resumo da conversa:

FOLHA - Quais são suas atribuições no Senado?

LUCIANA CARDOSO - Eu cuido de umas coisas pessoais do senador. Coisas de campanha, organizar tudo para ele.

FOLHA - Em 2006, você estava organizando os arquivos dele.

LUCIANA - É, então, faz parte dessas coisas. Esse projeto não termina nunca. Enquanto uma pessoa dessa é política, é política. O arquivo é inacabável. É um serviço que eternamente continuará, a não ser que eu saia de lá.

FOLHA - Recebeu horas extras em janeiro, durante o recesso?

LUCIANA - Não sei te dizer se eu recebi em janeiro, se não recebi em janeiro. Normalmente, quando o gabinete recebe, eu recebo. Acho que o gabinete recebeu. Se o senador mandar, devolvo [o dinheiro]. Quem manda pra mim é o senador.

FOLHA - E qual é o seu salário?

LUCIANA - Salário de secretária parlamentar, amor! Descobre aí. Sou uma pessoa como todo mundo. Por acaso, sou filha do meu pai, não é? Talvez só tenha o sobrenome errado.

FOLHA - Cumpre horário?

LUCIANA - Trabalho mais em casa, na casa do senador. Como faço coisas particulares e aquele Senado é uma bagunça e o gabinete é mínimo, eu vou lá de vez em quando. Você já entrou no gabinete do senador? Cabe não, meu filho! É um trem mínimo e a bagunça, eterna. Trabalham lá milhões de pessoas. Mas se o senador ligar agora e falar "vem aqui", eu vou lá.

FOLHA - E o que ele te pediu nesta semana?

LUCIANA - "Cê" não acha que eu vou te contar o que eu tô fazendo pro senador! Pensa bem, que eu não nasci ontem! Preste bem atenção: se eu estou te dizendo que são coisas particulares, que eu nem faço lá porque não é pra ficar na boca de todo mundo, eu vou te contar?

quinta-feira, 26 de março de 2009

Beatlemaníaco especializado

Se durante a efervescência do fenômeno Beatles, na década de 60 do século passado, algum aficionado pelo quarteto, como eu, por exemplo, dissesse que a musica deles seria levada tão a sério no futuro a ponto de tornar-se curso de mestrado, pode ter certeza que esse aficionado escutaria algo do tipo: “onde você arranjou desse cogumelo tem mais?”.

Pois é, e não é que agora acabo de saber que a Liverpool Hope University abriu um curso a fim justamente de especializar os beatlemaníacos ou qualquer interessado em obter conhecimentos sobre a música pop e ser reconhecido academicamente.

Quem sabe após essa iniciativa vejamos também mestrados sobre Led Zeppelin, Stones, Neil Young, Bob Dylan, Cream, Pink Floyd, Clash, Who...

Se não acreditam, ou acham que tenho uma plantação de cogumelos em casa, leiam o texto que pesquei no Som & Cia [http://somecia.net].

A Liverpool Hope University acaba de abrir inscrições para um curso de mestrado em Beatles, música popular e sociedade. Idealizado pelo professor Michael Brocken, o curso que começará em setembro vai discutir a música dos Fab Four e como Liverpool ajudou a formá-la. Segundo o professor, há mais de 8 mil livros sobre os Beatles, mas nunca houve uma pesquisa acadêmica séria sobre o grupo que mudou a música pop no começo dos anos 1960. Ele acrescenta ainda que os Beatles influenciaram a sociedade de sua época, não só com suas canções, mas também por seu modo de vestir (desde as jaquetas sem colarinho até as roupas psicodélicas) e seu comportamento.

Que tal se tornar mestre em Beatles com diploma e tudo?

É a mais nova cadeira no curso de pós-graduação na Universidade Liverpool Hope, na Inglaterra.

A partir de setembro de 2009, os fãs da banda e da música pop, poderão dividir o conhecimento sobre o maior quarteto da música de todos os tempos, dando a desculpa de que estão apenas estudando. O curso, com duração de um ano, trará para as salas de aula, pessoas que conviveram com John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

O prospecto do curso, afirma ser uma oportunidade única de estudar com mestres em música popular e especialistas em Beatles, além de estar ainda, na cidade onde a banda surgiu.

Esse curso de mestrado examinará o significado da música dos Beatles na construção das identidades, público, grupos étnicos, localidades e indústria musical. Irá mostrar os caminhos para entender a música popular, como uma prática social, focando a atenção em coisas como toda a presença da música na construção das identidades regionais, conceitos de autenticidade, estética, significados, valores, performances. Mais adiante, o curso trabalhará a semiótica da música popular.

O curso é destinado àqueles que estudam os campos da música, estudos culturais, antropologia, política, musicologia, entre outros. É um curso essencial para adicionar aos estudos da disciplina de música popular.

Ficou interessado?

Confira mais no site da própria Universidade. Garanta a sua vaga!!!


[http://www.hope.ac.uk/postgraduate-2009/the-beatles-popular-music-and-society-ma.html]

terça-feira, 24 de março de 2009

Datafolha – SP

A mais recente pesquisa Datafolha sobre a sucessão ao governo de São Paulo mostrou alguns dados interessantes. Pela pesquisa nota-se que o Grupo Folha já dá como consumada a candidatura de José Serra à presidência da República – ou então por qual outro motivo o nome do atual governador não seria aventado em nenhum cenário pesquisado? Passa-se assim aos incautos leitores a sensação que não há uma disputa fratricida entre Serra e Aécio dentro da agremiação tucana. A pesquisa também revelou a força que o PSDB ainda tem no estado após 15 anos ininterruptos (des)governando essa unidade federativa – leia o Tucanato e a Tragédia Paulista [http://dissolvendo-no-ar.blogspot.com/2008/10/o-tucanato-e-tragdia-paulista.html ] – além de confirmar que o PT vem sistematicamente perdendo espaço entre os eleitores paulistas.

Quanto aos números da pesquisa em si é interessante ver Geraldo Alckmin largando à frente de seus possíveis rivais (é sempre bom lembrar que o Picolé de Chuchu e Príncipe do Atraso é muito bom de saída e inversamente ruim de chegada, quem mais conseguiu ter menos votos num segundo turno do que os obtidos no primeiro???). O Príncipe do Atraso conta hoje, segundo o Datafolha, com um percentual que varia entre 41% e 46% das intenções de voto de acordo com o cenário apresentado. Seu pior desempenho seria diante de Marta Suplicy. O tucano da Opus Dei crava 41% enquanto a petista fica num longínquo 13%. Nos outros dois cenários apresentados em que aparece o nome do ex-governador, tendo os petistas Fernando Haddad com 1% e Antonio Palocci com 3%, Alckmin tem respectivamente 46% e 45% das intenções. Outros possíveis candidatos a se destacarem dependendo do cenário, o nome de Aloysio Nunes substituindo o de Alckmin foi testado em dois dos cinco cenários, foram Paulo Maluf (entre 13% e 20%), Luiza Erundina (entre 7% e 14%) e, quem diria, Soninha Francine (entre 5% e 10%).

Também é importante ressaltar a não inclusão do senador Eduardo Suplicy. Claro, alguém dirá que ele não é suficientemente "confiável" à cúpula do partido por não rezar a cartilha da Articulação (antigo Campo Majoritário), portanto, o estado maior petista dificilmente o lançará candidato. No entanto numa eleição tão importante para os objetivos e futuro do Partido dos Trabalhadores, e especialmente delicada como no caso de São Paulo, por que não levantar a idéia do senador Suplicy ser o postulante do partido ao Palácio dos Bandeirantes?

Acredito que o PIG não colocará por conta própria nome de Eduardo Suplicy entre os possíveis candidatos por uma questão simples. O senador tem simpatia e votos e poderia mostrar-se bem melhor colocado nas intenções de voto que Marta, Palocci ou o ministro Haddad (que faz um bom trabalho à frente do Ministério da Educação). A idéia do PIG é passar aos seus leitores que o PT não possui candidato forte a sucessão de Serra e emplacar de vez algum nome da sacrossanta aliança entre PSDB/DEMO/PMDB que se formou no estado.

Estrategicamente não seria má idéia ter Eduardo Suplicy como candidato. Abriria espaço para Mercadante, outro candidato em potencial, tentar a reeleição ao Senado, enquanto Marta e Haddad poderiam disputar uma cadeira na Câmara com enorme chance de puxarem a legenda para cima. Mais, o PT não perderia nada. O mandato de Eduardo Suplicy só encerra em 2014. Caso derrotado voltaria normalmente ao Senado. Como São Paulo é um estado extremamente conservador e apegado ao "udenismo", um nome há tanto tempo na política, porém, nunca maculado por denúncias de corrupção ou improbidade e tradicionalmente reconhecido como moderado, viria a calhar.

Pode não ser o nome que gostaríamos para mudar o estado (nem Marta, Mercadante, Haddad e menos ainda Palocci o são), todavia, já representaria um grande avanço em comparação à última década e meia.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Choque de gestão = desmoralização do servidor público.

Conheçam um pouco da administração neoliberal do neto de Tancredo, Aécinho, aqui nas Minas Gerais.


Manifestação dos técnicos e analistas da Educação foi um sucesso


Extraído do: http://linguadetrapo.blogspot.com/

No dia 06 de março de 2009 (quinto dia útil) os servidores administrativos da Educação de todo o Estado (Minas Gerais) paralisaram suas atividades e foram às ruas de suas cidades manifestar e demonstrar à sociedade a sua insatisfação perante salários tão baixos.

A adesão foi de muitas Superintendências Regionais de Ensino, sendo que em muitas cidades o pessoal das escolas parou e manifestou conjuntamente.

A Categoria dos Analistas e Técnicos da Educação/SINDPÚBLICOS – MG utilizou a imprensa local, redes de TVs, jornais falados e escritos, confeccionou cartazes, faixas e usou a cor preta representando LUTO e REPÚDIO pelo descaso e desvalorização da categoria.

O movimento não para por aí. Daqui pra frente, durante o decorrer do expediente a categoria decidiu trabalhar com morosidade e dificultar os trabalhos desenvolvidos pelas unidades. E a partir de agora, todo quinto dial útil será dia de paralisação e manifestação, com a cobertura da imprensa, e apoio da população.

Cleuza Maria, uma das responsáveis pela organização da categoria Desabafa: “Estaremos agindo e comportando da mesma forma que o governo nos trata... Tudo é moroso... E a execução de atividades também o será. Até porque, o governo nos revolta e concretiza a desvalorização como se o Estado – a SEEMG (Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais) – fosse uma empresa privada, pois acaba de suspender um concurso e faz outro pela MGS, e vai colocar um Técnico em Contabilidade ganhando R$ 1097,00 ao lado de quem foi nomeado, efetivo e ativo ganhando R$ 660,00.

ISTO É ABSURDO E NÃO VAMOS PERMITIR QUE SEJAMOS INSULTADOS DESTA FORMA. CHEGA!

A orientação agora é... Caminhar não é apressar o passo... caminhe, desacelere e vamos chegar lá! SEJAMOS “INTELIGENTES PARA NÃO PERDER ESTA BATALHA”.

sábado, 21 de março de 2009

Radiohead

Texto original em: http://cotonete.clix.pt

Adaptação: Hudson Luiz



É inevitável não se referir à "Creep" quando o assunto é Radiohead. A banda de Oxford teve o caminho do sucesso garantido com um tema, que afinal não era o espelho sequer do álbum em que esteve integrado, "Pablo Honey", sequer de toda a obra do agrupamento inglês. Três guitarristas, uma voz, um baixo e uma bateria dão forma aos Radiohead. Thom Yorke, Ed O'Brien, Jonny Greenwood, Colin Greenwood e Phil Selway são os nomes daqueles que vão para além de "Creep", no seu pulsar criativo.

Os membros do grupo preferiram a Universidade, primeiro e a carreira artística, depois. A banda começou a tocar, em 1988, adotando a designação de On A Friday, para interromper as atividades pouco depois, devido às atividades escolares. Em 1991, depois de concluídos os estudos, a banda voltou a reunir-se em Oxford e adotou o nome de Radiohead. Um concerto foi o suficiente para que de imediato surgissem dezenas de convites de gravadoras. A banda assinou pela Capitol e gravou o EP "Drill", em 1992. O sucesso não foi esmagador, mas bastou para que fossem convidados a participar em concertos dos Tears For Fears, PJ Harvey e James.
"Pablo Honey" foi o primeiro álbum dos ingleses que viram a sua projeção mundial ser catapultada pelo inebriante sucesso de "Creep". Os Estados Unidos, com um mercado por vezes difícil para as bandas inglesas, cedo se rendeu ao poder do single, proporcionando uma extensa excursão americana que se estendeu ao resto do mundo durante o ano de 93. A responsabilidade dos Radiohead era agora maior, dadas as previsões de grande parte da crítica, que os classificou como banda de um só sucesso. "The Bends", com produção de John Lockie, foi o álbum que se seguiu. Embora não tenha sequer chegado perto do êxito do primeiro trabalho, provou inequivocamente o valor dos rapazes de Oxford e conseguiu críticas bastante positivas. A continuidade do trabalho da banda, que aceitou o convite dos R.E.M. para abrir as apresentações durante o "Monster Tour", acabou por promover, a posteriori, um álbum que não teve resultados imediatos de vendas. Alanis Morissette cantou "Fake Plastic Trees" em quase todos os concertos da turnê, acabando por convidar a banda britânica para participar na abertura dos seus espetáculos, durante o Verão de 96.

Uma nova entrada no estúdio resultou no álbum "Ok Computer", de 1997. O trabalho gravado numa casa inglesa do século XIV, propriedade da atriz Jane Seymour entrou diretamente para o número 1 do top de vendas britânico. A banda optou então, uma vez mais, por uma prolongada turnê. Foram precisos três anos para que por fim surgisse "Kid A", o seu quarto disco, com dez temas que perpetuam os sons inovadores, invulgares e introspectivos do Radiohead. E como se tentasse recuperar o tempo perdido, a banda de Thom Yorke não tardou em voltar ao estúdio, regressando em 2001 com um novo álbum de inéditas, intitulado "Amnesiac", que meses mais tarde foi sucedido por um registro gravado ao vivo nesse mesmo ano, durante a turnê mundial do grupo, chamado "I Might Be Wrong: Live Recordings".
Além de versões ao vivo dos temas de "Kid A" e "Amnesiac", esta edição traz ainda o inédito acústico 'True Love Waits'.

"Hail to the Thief", o sexto disco, é lançado em 2003, o novo trabalho condensa quase todos os sons que o quinteto tinha vindo a explorar desde "Pablo Honey", tornando-se um sucesso comercial no Reino Unido e EUA. O disco é indicado para o Grammy de Melhor Álbum Alternativo do Ano, acabando por levar para casa o prêmio para a Melhor Produção Técnica de um Álbum. Depois de rumores de que o título "Hail to the Thief" era uma referência à controversa eleição à presidência dos EUA, de George W. Bush em 2000, Thom Yorke veio a público explicar que o Radiohead não havia escrito nenhum título e nenhum álbum de protesto, reconhecendo contudo, que as letras foram afetadas pela ameaça de guerra que se vivia no início do novo século.

Ainda neste ano embarcam numa excursão mundial durante a qual editam o EP "COM LAG", com a maior parte dos b-sides da sua carreira. Em 2004, terminam o contrato com a EMI-Parlophone e passam grande parte do ano descansando junto à família.

Em Fevereiro de 2005 surgem rumores de que o grupo tinha entrado em estúdio para começar a preparar o sucessor de "Hail to the Thief". Pelo meio, gravam um tema para o disco da War Child, "Hel: A Day in the Life", intitulado 'I Want None of This'. As gravações decorrem junto ao habitual Nigel Godrich, entre Londres, Oxford e o Somerset britânico, estando oficialmente finalizadas e prontas para serem masterizadas em julho de 2007. Pouco tempo depois, em Outubro, o quinteto surpreende meio mundo ao anunciar que vai lançar o novo disco, "In Rainbows", através de download e sem preço fixo. O inusitado lançamento disponibiliza os dez temas do disco para serem baixados pelos fãs mediante o preço que cada pessoa quiser dar pelo registro, incluindo o não pagamento total. No dia 10 de outubro, data do lançamento, foram contabilizados cerca de 1,2 milhões de downloads, número que contribuiu em muito para "In Rainbows" ser o disco tornar-se o mais vendido do Radiohead. O modo pouco ortodoxo de lançamento levantou naturalmente críticas por parte da indústria, com a banda garantindo que não pretendia criar um novo modelo para o mercado. Como tal, a edição física do disco chega às lojas mesmo no final de 2007, isto depois do grupo disponibilizar uma versão de luxo em formato box set, com a versão em CD e em vinil do disco, bem como todo o artwork da edição.

"In Rainbows" atinge o número um dos tops britânico e norte-americano, levando a banda a receber cinco indicações ao Grammy 2009, incluindo Melhor Álbum do Ano. Paralelamente, a EMI lança sem o apoio da banda, a primeira coletânea da carreira do grupo, com temas de todos os discos lançados sob o seu selo, ou seja, sem integrar as canções de "In Rainbows". Já o disco é pretexto para mais uma excursão mundial. Pela primeira vez a banda se apresenta na America Latina, realizando duas apresentações no Brasil, 20 de março (ontem) na Praça da Apoteose no Rio de Janeiro e 22 de março em São Paulo na Chácara do Jokey.

P.S. Os shows no Brasil ainda terão uma, ou melhor, duas atrações à parte. A abertura, em ambos os shows, ficará por conta de apresentações dos inventores da música eletrônica, os alemães do Kraftwerk, e uma segunda parte onde o público terá a chance de rever os Los Heramanos, o primeiro reencontro da banda carioca após anunciar oficialmente o seu fim em 2007.

sexta-feira, 20 de março de 2009

“Il Duce” em versão tupiniquim

Gilmar Mendes ataca novamente.

Durante a semana já tentara intimidar um jornalista acreano ameaçando-lhe e sugerindo que tomasse cuidado ao fazer certos tipos de pergunta. Naquela feita Altino Machado ousara fazer-lhe a seguinte indagação:

“- Ministro, o senhor tem se manifestado constantemente em defesa da propriedade, contra as invasões, mas em nenhum momento o senhor se manifestou contra dezenas, centenas de assassinatos de lideranças de trabalhadores rurais. Isso decorre do fato de o senhor ser ministro ou pecuarista?”

A qual o ministro respondeu sem demonstrar o menor pudor:

“- O senhor tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta.”

Agora ficamos sabendo sobre a censura exigida por ele, e obedecida por Michel Temer, a um programa da TV Câmara – uma TV pública financiada com o dinheiro dos contribuintes brasileiros.

No programa censurado o jornalista Leandro Fontes, que presta serviços à CartaCapital, teve o “desplante” de reafirmar as sérias denúncias já publicadas na revista de Mino Carta. Denúncias nas quais o nome do presidente do Supremo Tribunal Federal surge em negócios no mínimo escusos envolvendo o IDP (Instituto de Direito Público), de propriedade do próprio Gilmar Mendes, e contratos sem licitação com diversos órgãos públicos. Além da escandalosa aquisição dum terreno junto ao governo do Distrito Federal com 80% de desconto à época do governo Joaquim Roriz.

É esse o fascistóide que FF.HH. chama de corajoso – foi FF.HH quem o nomeou para o Supremo – e nossa oposição farisaica tem como ícone, pra não dizer prócer.

Já escrevi antes, Gilmar Mendes com todo o seu charlatanismo fanfarrão incorpora a reação burguesa contra avanços sociais. Aliás, lembra-me muito Mussolini.

Quando o governo Lula tentou abrir debate sobre um Conselho Federal de Jornalismo foi prontamente tachado de autoritário. Afinal, diziam seus detratores, tratava-se dum acinte, dum verdadeiro atentado a democracia e a liberdade de imprensa – como se democracia e liberdade de imprensa conjugassem com redações submissas ao interesse dos barões da mídia. No entanto Gilmar Mendes parece fazer a mídia de gato e sapato e os sabujões da grande imprensa calam-se vergonhosamente.

Isto faz lembrar-me doutras figuras, bem mais caras a mim e que superam tanto em inteligência quanto em coragem à Mendes ou Mussolini.

Sartre dizia pra tomarmos cuidado com os “cães de guarda”, os pseudo-intelectuais a serviço da elite dominante. Enquanto Gramsci nos alertava que a imprensa empresarial se constituía no “Partido do Capital”.

Carta aberta aos jornalistas do Brasil

Por Leandro Fortes


No dia 11 de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José Cunha, da TV Câmara, para participar do programa intitulado Comitê de Imprensa, um espaço reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do Congresso Nacional. A meu lado estava, também convidado, o jornalista Jailton de Carvalho, da sucursal de Brasília de O Globo. O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da revista Veja, do fim de semana anterior, com as supostas e “aterradoras” revelações contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha. Eu, assim como Jailton, já havia participado outras vezes do Comitê de Imprensa, sempre a convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao comportamento e à rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que Jailton e eu somos repórteres veteranos na cobertura de assuntos de Polícia Federal, em todo o país. Razão pela qual, inclusive, o jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do programa.

Nesta carta, contudo, falo somente por mim.

Durante a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de absoluta liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos jornalistas, discutimos abertamente questões relativas à Operação Satiagraha, à CPI das Escutas Telefônicas Ilegais, às ações contra Protógenes Queiroz e, é claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca revelado – envolvendo o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Em particular, discordei da tese de contaminação da Satiagraha por conta da participação de agentes da Abin e citei o fato de estar sendo processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de propriedade do ministro, farto de contratos sem licitação firmados com órgãos públicos e construído com recursos do Banco do Brasil sobre um terreno comprado ao governo do Distrito Federal, à época do governador Joaquim Roriz, com 80% de desconto.

Terminada a gravação, o programa foi colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada, ao mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página eletrônica da TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os debates, como cabe a um serviço público e democrático ligado ao Parlamento brasileiro. O debate daquele dia, realmente, rendeu audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos sites da blogosfera.

Qual foi minha surpresa ao ser informado por alguns colegas, na quarta-feira passada, dia 18 de março, exatamente quando completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o link para o programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse dada nenhuma explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e cidadãos brasileiros. Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil: irritado com o teor do programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, e pediu a retirada do conteúdo da página da internet e a suspensão da veiculação na grade da TV Câmara. O pedido de Mendes foi prontamente atendido.

Sem levar em conta o ridículo da situação (o programa já havia sido veiculado seis vezes pela TV Câmara, além de visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um estado de coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples dos limites de atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta submissão inexplicável do presidente da Câmara dos Deputados e, por extensão, do Poder Legislativo, às vontades do presidente do STF, cabe a todos nós, jornalistas, refletir sobre os nossos próprios limites. Na semana passada, diante de um questionamento feito por um jornalista do Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao MST, Mendes voltou-se furioso para o repórter e disparou: “Tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta”. Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao ministro Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa situação chegar sem nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse crescente cerco às liberdades individuais e de imprensa patrocinados pelo chefe do Poder Judiciário? Onde estão a Fenaj, e ABI e os sindicatos?

Apelo, portanto, que as entidades de classe dos jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara sobre essa situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que fere os direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de acesso a informação pública, por parte dos cidadãos. As eventuais disputas editoriais, acirradas aqui e ali, entre os veículos de comunicação brasileiros não pode servir de obstáculo para a exposição pública de nossa indignação conjunta contra essa atitude execrável levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência do presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que, acredito, seja formada por jornalistas.

Sem mais, faço valer aqui minha posição de total defesa do direito de informar e ser informado sem a ingerência de forças do obscurantismo político brasileiro, apoiadas por quem deveria, por dever de ofício, nos defender.


Leandro Fortes

Jornalista

Brasília, 19 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

O comício da Central do Brasil

Há exatos 45 anos o então presidente da República, João Goulart, realizava o comício mais famoso da História do Brasil. A postura de Goulart como mais alto mandatário do país naquele momento ainda é bastante controversa. Talvez tenha sido de certa forma levado pela pujança dos movimentos populares – algo, até ali, praticamente inédito. No entanto se Goulart entrou para a historiografia oficial como político incoerente, titubeante, claudicante e até covarde por algumas atitudes adotadas, é fundamental compreender o momento em que o Brasil vivia. De um lado caminhava rumo à construção duma sociedade mais democrática e participativa com inúmeros atores sociais e políticos surgindo; de outro havia a história da formação da Escola Superior de Guerra e a ideologia que a permeava desde 1949; além, obviamente, dos interesses da burguesia nacional sempre subserviente ao grande capital internacional.

O conteúdo do discurso daquele longínquo 13 de março de 1964 não é apenas um documento que nos remete ao passado a fim de melhor analisá-lo e compreender o desenvolvimento da sociedade brasileira a partir dos acontecimentos desencadeados ali, muito mais que isso, nos ajuda de modo indelével a situarmo-nos no presente mostrando-se atual e didático.

O discurso de João Goulart


“Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.

Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.

Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.

Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.

Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.

Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.

(...)

A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.

A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.

Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.

(...)

Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.

Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.

(...)

Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.

Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.

Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.

Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.

Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.

(...)

É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.

São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.

(...)

E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.

O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.

(...)

Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.

Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.

O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.

Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.

Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.
Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.

O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.

Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.

(...)

Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.

Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.

Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.

No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?

Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.

No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.

Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.

Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.

Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.

A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.

Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.

Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.

Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.

Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?

O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.

Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.

(...)

E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.

(...)

Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.

Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.

A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.

Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.

(...)

Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.

Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.

(...)

Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.

(...)

Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles que não reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.

Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil”.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Crise financeira e democracia

Por Flávio Aguiar na Carta Maior

“Um outro socialismo é possível?”: esta pergunta, que parodia o lema do Fórum Social Mundial (“Um outro mundo é possível”), rondou toda a abertura da Conferência sobre “O fim do capitalismo” (“Kapitalismus am ende?”), aberta na sexta feira, 06 de março, no salão de atos da Universidade Tecnológica de Berlim.

A Conferência, organizada pela ONG Attac-Alemanha, já contava com bem mais de 2000 participantes, que lotaram o anfiteatro da universidade. Nesta ocasião, como em outras manifestações ou ocasiões semelhantes, a constituição do público chamava a atenção pelas faixas etárias que dominavam a cena. Estavam maciçamente presentes a jovem guarda (menos de 30) e a velha guarda (mais de 50). É claro que esta é uma observação estatística feita pelo “data-olho”, mas é significativa, de todo modo.

O mote da abertura foi o tema mesmo da Conferência como um todo. Uma palestra e uma mesa redonda abriram o evento. A palestra ficou por conta de Heiner Flassbeck, Economista-Chefe da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), em Genebra, e professor honorário da Universidade de Hamburgo. A mesa foi constituída por Saskia Sassen (professora que lecionou em Chicago e Londres), Daniela Dahn (jornalista e escritora da Alemanha), Frank Bsirske (também da Alemanha) e Aleksandr Buzgalin (professor de economia da Universidade de Moscou). Todos destacaram que, entre as raízes da presente crise financeira que se abate sobre o mundo inteiro, está a falta de democracia nas decisões políticas que orientam (ou desorientam) as economias e as finanças mundiais.

Heiner Flassbeck destacou que o mundo dos investimentos financeiros e sua hegemonia aguçada depois do fim da Guerra Fria subordinaram a política e transformaram a economia num gigantesco cassino, onde todos, aparentemente, poderiam ganhar muito e mais. Mas isto, ele sublinhou, foi provocado por decisões de natureza política, e tomadas, em nível de governo, sem qualquer forma de transparência, fosse de modo pró-ativo ou por omissão. Deu exemplos, como se alguém tinha consultado o povo húngaro sobre a conveniência de investir boa parte das finanças do país no mercado dos francos suíços ou no da Islândia. Idem, na Alemanha, sobre investimentos no mercado irlandês ou no norte-americano, que começou a derrocada. Também destacou que no mundo financeiro a falta de idéias sim, era globalizada: todos faziam a mesa coisa, esperando que os investimentos trouxessem lucros líquidos de até 25% ao ano.

Não se tratava apenas de ambições pessoais, sublinhou, embora isso estivesse presente e fosse o canto da sereia para muita gente. Houve decisões ou omissões políticas que empurraram as coisas nesta direção. Ao mesmo tempo, se continha a capacidade de intervenção dos estados em nome de conter os gastos públicos e evitar a inflação. Mas o verdadeiro problema é o que vemos agora: a deflação, ao invés da inflação; aquela se tornou agora sinônimo de depressão (coletiva e pessoal). Disse que não houve apenas uma crise do sistema subprime norte-americano; as coisas começaram por aí, mas o que aconteceu é que o cassino ruiu por inteiro.

Ruiu, mas não faliu: muita gente ganhou dinheiro com isso, porque o Cassino deve ser pago, sempre. O que fazer? Recondicionar os Estados, pois só eles podem construir mecanismos de estabilização consistentes. Não se trata de reformar o cassino financeiro, mas de fechá-lo e de fechar todos os seus compartimentos, mudando a orientação da política econômica em direção de mais cooperação e também do que chamou de “aprendizado mútuo”, pois, disse ele, uma das características desse momento é a de que as pessoas que detém a possibilidade de mando ficam no fundo repetindo as mesmas coisas, pois lhes faltam idéias.

Passando à mesa, Saskia Sassen abriu a discussão com uma fala muito provocativa a respeito da natureza da crise. Disse ela que houve, na verdade, uma sucessão de duas crises. A primeira ocorreu em agosto de 2007, quando algumas quebras de bancos e instituições congêneres provocaram o que chamou de uma crise de “ansiedade dos financistas”. Essa crise, alimentada pelo medo e por uma espécie de “covardia”, degenerou em pânico, quando, em setembro de 2008, houve uma escalada de vencimentos, provocada pelo temor de que ninguém viesse a realizar recebimentos, o que de fato aconteceu. O montante dessa “bola de neve” é de espantar: 62 trilhões de dólares. Esse dinheiro, disse ela, simplesmente não podia ser pago porque “não existia”. A “quebrança” foi geral.

Essa situação provocou dois tipos de debate nos Estados Unidos, e, segundo ela, o presidente Obama, que aprende rápido, está com cada uma de suas faces voltada para cada um dos lados. O primeiro debate focaliza uma solução financeira para a crise. Ajudar os bancos, por exemplo. O segundo debate focaliza mudanças da “infra-estrutura social”: melhor distribuição de renda, por exemplo. Segundo ela, o nível de pobreza atingiu níveis inéditos nos EUA. É claro que, diz ela, o segundo debate é o prioritário. Mas não se pode descartar completamente o primeiro. Se não se deve injetar mais dinheiro em bancos, é necessário salvar os fundos de pensão, porque deles depende a aposentadoria dos trabalhadores.

Questionada sobre a posição de Obama, respondeu que o presidente mostrou-se sensível ao foco do segundo debate. Mas é verdade, disse ela, que ele não teve tempo, durante a campanha, de deter-se sobre a crise. Ela o atropelou em meio à campanha. Ele acabou fazendo algumas escolhas erradas, como, por exemplo, a de nomear Larry Summers como Presidente do Conselho Econômico da Casa Branca. Summers foi Secretário do Tesouro de Clinton, e é desses economistas que “só tem um olho”, o que vê as finanças.

A seguir falou Aleksandr Buzgalin. Disse que a crise não é financeira, ela é tudo: é social, cultural, econômica e política. A crise tem também um lado “pessoal”. “A vida de todo mundo vai mudar”, ressaltou, “um novo tipo de vida está por vir”, mas não sabemos qual seja. Tudo isso é sinal de que o capitalismo chegou “a um beco sem saída”. Quanto isso vai durar, não se sabe. O beco sem saída do capitalismo está representado pelo gasto cada vez maior com coisas inúteis, símbolos de status e nada mais. Na Rússia quem tem dinheiro freqüenta os restaurantes mais caros em busca de respeito, de “consideração social”. Até as guerras entraram nessa espiral de gastos. A saída dessa situação está num “novo socialismo” (aplausos generosos da platéia!). É necessário socializar a economia, mas não do modo como o fez o antigo regime soviético. Sim, deve-se pensar em fortalecer o Estado, mas perguntando-se ao mesmo tempo a quem serve o Estado. Sem a construção de uma democracia de base (“grassroot democracy”), de nada adianta socializar nada. Também é necessário ter consciência de que um movimento nessa direção vai contrariar os interesses do “ruling people” (ele falou em inglês), os que dirigem o poder, a mídia, e que querem continuar governando a opinião das pessoas.

Daniela Dahn, que viveu muito tempo na antiga DDR (Alemanha Oriental), começou fazendo uma crítica do processo de reunificação da Alemanha, embora fosse, é claro, favorável a ela. Disse que o processo de reunificação simplesmente transformou a antiga DDR numa cópia da Alemanha Ocidental, e numa cópia de qualidades problemáticas. Impôs-se a lógica da eficiência capitalista, o que significou desemprego. “O capitalismo”, disse, “deve ser impedido de continuar a ser ele mesmo”. “O socialismo, de certo modo, falhou. Mas então ele deve ser repensado, no sentido de combinar algum tipo de propriedade coletiva com democracia”. A regulação das relações econômicas só terá sentido e vez se tiver a oportunidade de ser implementada com democracia”.

Finalmente, falou Frank Bsirske, conhecido sindicalista alemão que foi da Juventude Socialista e também do movimento político Alternativa Verde em Hannover. Seu mote sobre a crise retomou a fala inicial de Flassbeck. “Muita gente não sabia de muita coisa”, lembrou, assinalando que quase ninguém sabia, por exemplo, que 18,5 bilhões de euros do sistema bancário alemão estavam investidos na Irlanda, que quebrou.

Quase ninguém tinha consciência, lembrou também, que o sistema bancário e financeiro da Alemanha tinha sido “ajustado” ao norte-americano. Esse ajuste implicava a espiral de vendas de créditos e dívidas, como nos Estados Unidos, envolvendo companhias seguradoras e de crédito. De uma hora para outra, coisas como essas, “sobre as quais quase ninguém sabia muito”, e sobre que, na verdade, ninguém tinha muita idéia do que se tratava, provocaram uma perda súbita de 5 bilhões de euros no sistema bancário alemão. Mas a crise não é apenas financeira. Há um acúmulo de crises: financeira, de pobreza, de fome, no meio-ambiente, há uma crise militar permanente. Hoje temos consciência de que não se pode continuar assim. Mas durante décadas houve o convencimento generalizado em torno das privatizações, da promoção dos valores do mercado e da condenação do Estado como o vilão da história. Agora nos vemos na contingência de buscar de novo formas de regulação econômica. Mas isso só terá proveito se vier acompanhado por formas de aumentar a remuneração real do mundo do trabalho.

A Conferência prosseguiu no sábado e no domingo (7 e 8 de março) com outras 91 atividades, muito no formato do Fórum Social Mundial. Não deixa de causar uma certa perplexidade o fato de que, nem vinte anos depois de se constatar (e muitos comemoraram) o fim do socialismo, volte a se discutir de modo tão aberto e veemente a perspectiva de superação do capitalismo.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Marcha à ré

Estou possuído por um sentimento, misto de preocupação, certo espanto e triste constatação, que de uns dias para cá o Brasil começou a andar em marcha à ré.

Senão vejamos alguns dos últimos acontecimentos aqui na Terra de Santa Cruz.

Primeiro, a Folhona tirou do chapéu o neologismo “ditabranda” tentando atenuar os efeitos da ditadura militar brasileira e fazendo uma comparação esdrúxula entre o período em que os milicos de forma escabrosa e despudorada usurparam o poder, cassaram, perseguiram, torturaram, mataram uns tantos e enquanto outros tantos eram exilados, com alguns regimes similares no Cone Sul. Não importa a farta lista de atrocidades, para a Folhona a ditadura militar se configurou em uma “ditabranda”, seja lá o isso signifique.

Na realidade a desfaçatez da Folhona em criar o neologismo ditabranda tenta esconder o passado podre da própria Folha de São Paulo. O jornal da Alameda Barão de Limeira não só apoiou efusivamente o golpe, como fez coro à direita suplicando por este e não se furtou em dar apoio logístico aos milicos. As peruas C-14 do grupo Folha eram utilizadas a fim de transportar presos políticos para interrogatórios, além de o grupo empregar agentes do DOPS como “jornalistas”.

Também teve o despautério de adiantar em um dia a morte do militante de esquerda Joaquim Alencar de Seixas. Fato bem relatado por seu filho Ivan Seixas.

No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados. No mesmo dia Ivan leu na Folhona que seu pai estava morto, todavia Ivan encontrou o pai vivo e consciente, nas dependências do DOI-CODI. A morte (assassinato) se daria no dia seguinte.

A Folhona simplesmente censurou as inúmeras cartas de repúdio enviadas por Ivan não publicando nenhuma delas.

O neologismo usado pela Folhona vem de encontro, como bem denunciou a professora Maria Benevides, socióloga da USP, a uma perigosa revisão histórica que está ganhando corpo em parte da sociedade brasileira. Há uma tentativa, já desencadeada, de tornar a ditadura militar como algo natural e inevitável naquele instante, além de enaltecer supostos feitos econômicos e relativizar o estado de exceção perpetrado durante o período. Quando a sociedade se dispõe a fazer tal revisão incorre no risco de num futuro distante, ou nem tanto, cair na tentação de usar o paradigma daquele estado de exceção para um novo golpe. Talvez com um retoque aqui e outro acolá, mas de fato recorrer a um golpe de estado e implantar uma ditadura aceitável, ou no linguajar da Folhana, outra “ditabranda”.

A Folhona ao defender um estado de exceção descumpre o papel que cabe a imprensa numa sociedade livre e plural, qual seja, lutar cada vez mais pela liberdade de expressão.

Como se não bastasse a imprensa brasileira ser conhecida internacionalmente, segundo o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, “por trazer regularmente notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram as vidas de outras pessoas”, agora somos obrigados a vê-la deturpando um dos momentos mais funestos de nossa história recente.

Aliás, como dar credibilidade a uma imprensa empresarial que usa a comunicação exclusivamente para fazer valer seus interesses, não importando se para tanto tenha que mentir, manipular umas vezes, outras distorcer ou omitir informações. Tomemos como exemplo o caso dos pugilistas cubanos. O governo federal, através da PF e, sobretudo, do ministro Tarso Genro, foi acusado de cumplicidade com o que chamam de regime cubano – para essa imprensa empresarial Cuba já devia ter sido riscada do mapa, pois serve de inspiração para movimentos populares na América Latina. Portanto, desgraçadamente, caíram em dois equívocos:

I- distorceram a notícia e omitiram que os boxeadores retornaram por livre e espontânea vontade, inclusive o governo federal teria lhes oferecido asilo político caso desejassem.

II- no seu preconceito venal não conseguem distinguir as várias formas de manifestação e participação popular redundantes em democracia de fato, pois o que existe em Cuba é muito diverso do sistema liberal-burquês que vivemos aqui no Brasil. Contudo, lá não há apenas eleições periódicas, mas sim muito mais, uma participação popular tanto na construção de políticas públicas quanto na defesa do processo revolucionário (algo inaceitável para a nossa imprensa empresarial).

Lembrei-me de uma amiga de minha mãe. Quando criança costumava ouvi-la dizer: “eu aumento (estórias), mas não invento”. Com a midiazona brasileira essa máxima não vale, ela aumenta e inventa.

Segundo, a recondução de José Sarney ao posto de presidente do Senado Federal. Ninguém nesse país consegue politicamente personificar melhor o atraso, as oligarquias, a política mais vil e baixa – genuinamente franciscana, do é dando que se recebe –, mais velhaca, mais rastaqüera, distante do cheiro do povão, enfim, mais antidemocrática, clientelista e fisiológica do que o senhor do Maranhão. Em suma, fico com o que publicou a revista britânica The Economist, nos grotões do Brasil ainda prevalece o semi-feudalismo.

Se já não bastasse Sarney representar tudo o que escrevi acima, ainda teve como aliados na sua ascensão Renan Calheiros, Fernando Collor e claro, como não poderia deixar de ser, o DEMO. Como diz um ditado cá nas Minas Gerais, um gambá cheira o outro.

A vitória de Sarney, e a subseqüente derrota da democracia brasileira, tem nuances de chantagem ao governo federal. É um recado a Lula, ou o presidente dança a valsa conforme o ritmo do PMDB, ou o PMDB procura outro parceiro.

Outro nuance é que a dupla dinâmica, Sarney e Calheiros, trama a derrubada do ministro da Justiça Tarso Genro para colocarem em seu lugar o atual ministro da Defesa Nelson Jobim. Isso porque Sarney enxerga as “digitais” de Tarso num inquérito em que a PF acusa um de seus filhos, Fernando Sarney, de traficar influência no governo federal. Coisa estritamente técnica, segundo a polícia, sem conotações políticas. A investigação foi aberta em 2006. Apurava-se, então, denúncia de que as arcas eleitorais de Rosena Sarney, candidata derrotada às eleições do Maranhão, teriam sido borrifadas com verbas de má origem. No curso do inquérito, a PF voltou-se para Fernando Sarney. Reuniu indícios de que o filho do senador e amigos dele estariam intermediando negócios privados nas franjas do Estado (para entender melhor todo o imbróglio sugiro a leitura de reportagem “Quem governa é o Lula, mas quem manda é o Sarney” do repórter Palmério Dória na Caros Amigos número 143 de fevereiro passado).

O ex-presidente da República e ex-presidente da Arena e defensor entusiasta dos ditadores militares, ainda festejava a vitória no Senado quando o governador maranhense Jackson Lago, adversário político do clã dos Sarney, teve o mandato cassado. Quem deverá assumir o governo do Maranhão é Roseana Sarney, filha mais velha do patriarca.

Já o senador alagoano Renan Calheiros vislumbra a possibilidade de, na terceira vez que Sarney ocupa a cadeira de presidente do Senado, voltar a ser um jogador de peso nos bastidores da política, coisa que desde a sua renúncia como ocupante daquela mesma cadeira, em 2007, deixou de ser e se viu obrigado a contrair um ostracismo estratégico a fim de se resguardar e proteger a própria cabeça.

Terceiro, Gilmar Mendes, sempre ele, volta seus holofotes ao MST e naturalmente a midiazona mazombeira funciona feito caixa de ressonância.

A indecência, procurei termo mais adequado, no entanto não encontrei, como Mendes ocupa a presidência do Supremo Tribunal Federal fazendo dela palanque da direita e do que há de mais reacionário entre nós, utilizando duma verborragia autoritária e intimidando outros membros do Poder Judiciário ou dizendo o que devem ou não fazer representantes do Poder Executivo, deixa transparecer de forma nítida o seu pouco apreço para com as instituições democráticas.

A forma pomposa, extravagante, grosseira e de fanfarrão a qual Gilmar Mendes se acostumou a agir como presidente do STF e ao mesmo tempo como líder de oposição me traz medo. Ao invés de estarmos a caminho duma “ditadura policial” denunciada por ele mesmo, o que vejo é Mendes incorporar a reação burguesa contra avanços sociais.

Ao afirmar, ao lado do senador goiano Demóstenes Torres, ser vítima de um suposto grampo – o único grampo que se tem notícia no mundo em que o conteúdo vazado corrobora com a imagem de homem probo da(s) vitimas(s) – e não mostrar prova alguma, Mendes demonstra uma mescla de charlatanismo, golpismo e fascismo.

Mendes é hoje o ídolo da UDR (União Democrática Ruralista), da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), da FDP (Família, Deus e Propriedade), das viúvas da ditadura militar – quem sabe o deputado Jair Bolsonaro, do PP- RJ, não lança o nome de Gilmar Mendes a presidência da República –, de Reinaldo Azevedo, Diogo Mainard, FFHH e de toda a oposição farisaica consorciada com a extrema direita tupiniquim.

Entre o final do século XIX e o limiar do século XX era comum autoridades brasileiras proclamarem que problema social não passava de caso de polícia. É justamente isso que nosso excelentíssimo magistrado-mor pensa e prega em pleno 2009.

Quarto, a eleição de Collor para a presidência da Comissão de Infra-Estrutura do Senado nos alertou, com a luz vermelha, o quão atrasado é nosso sistema de representação. Não a toa que boa parte da sociedade se indignou com a notícia consumada de que Fernando Collor de Melo – o único presidente da República a passar por um processo de impedimento e ter seus direitos políticos casados seguindo cuidadosamente os ritos de um regime democrático, após a comprovação do seu envolvimento com gigantesco esquema de corrupção – graças a um acordo firmado entre ele, Sarney e Calheiros, ocupará um dos cargos mais altos do Legislativo.

Estará à frente da Comissão parlamentar responsável pelo acompanhamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a definição das regras que vão balizar o trabalho de quase todas as agências reguladoras.

Entre os marcos regulatórios, deve entrar na pauta a revisão do sistema que define a legislação para o setor de petróleo pela descoberta e exploração dos megapoços na camada pré-sal. Além da comissão ser o principal palco de debates da legislação que vai regular setores da economia como telecomunicações, energia, transportes e, principalmente, a revisão para o setor do petróleo.

Em entrevista concedida a Agencia Brasil, o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto afirmou o seguinte:

“Tudo isso (a importância da Comissão de Infra-Estrutura) tem um apelo forte por dinheiro, cargos e votos”. E acrescentou “o presidente da comissão, é que tem a prerrogativa legal de definir que matérias terão prioridade para a apreciação, poderá ‘atrapalhar ou formar uma parceria’ com o governo”.

Seria de rir, não fosse de chorar numa situação dessas.

Infelizmente também ficou patente nesse absurdo a forma como o governo Lula está refém das pretensões do PMDB e a falta que faz um articulador político de peso dentro do Senado. Caso o PT queira continuar a ser o principal partido da base governista, a manter postos importantes dentro do governo, a ditar a política social e interferir na política econômica e na administração direta, além de ocupar o espaço que é seu por direito na disputa pela sucessão de Lula, terá que rever suas opções. Ou ter metade do PMDB a seu lado – o PMDB não passa duma colcha de retalhos, duma federação de interesses, portanto está no seu DNA se dividir quando o assunto é eleição presidencial. Uma parte estará ao lado candidato ungido por Lula e outro inevitavelmente caminhará com força junto de Serra – ou buscar um reencontro com os movimentos populares mais combativos através de uma plataforma destinada a dar espaço preferencial para as reformas sociais e estruturais que o país necessita a fim de reverter à imensa desigualdade social. Ademais, terá de definir a proposição referente a uma reforma política ampla e geral.

Obviamente a segunda opção vem totalmente contra os projetos incubados dentro do PMDB.

Quinto, para fechar com chave de ouro meu sentimento que estamos andando em marcha a ré, eis que o arcebispo de Olinda e Recife D. José Cardoso Sobrinho excomungou os médicos envolvidos no aborto legal feito por uma menina de nove anos, grávida de gêmeos do padrasto que a estuprava desde os seis anos de idade.

“A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor”, disse o bispo, que pertence à ala conservadora da Igreja Católica. Após ver que suas tentativas de intervenção não deram em nada e o aborto aconteceu, ele “condenou” os envolvidos.

“Os adultos, quem aprovou, quem realizou esse abordo, incorreu na excomunhão. A Igreja não costuma comunicar isso. Agora, a gente espera que essa pessoa, em momentos de reflexão, não espere à hora da morte para se arrepender”, disse.

A menina em questão tem 1,36 m e 33 quilos, ou seja, sem estrutura física (e psicológica) que sustente uma gravidez. Os médicos que a avaliaram temiam por sua vida caso a gestação continuasse. Vale ressaltar que a legislação brasileira garante o direito ao aborto em caso de estupro e risco de vida para a mãe – ou seja, ela se enquadrava nas duas situações. Organizações de direitos da criança e da mulher deram suporte à família e criticaram a intervenção do bispo.

É meus amigos, ou eu estou surtando ou o retorno dos Sarney, Calheiros e Collor, a defesa da ditadura publicada em editorial de um dos mais conhecidos jornalões, os rompantes de autoritarismo de Gilmar Mendes e a excomunhão da família da menina de Recife mostram mesmo que a sociedade brasileira está com a marcha à ré engatada. E, cuidado, em alta velocidade.